As malas [parte 2]


Foto: Quang Nguyen Vinh


Ela estava na cozinha escrevendo enquanto esperava o frango assar e o arroz secar. Não era uma dona de casa, não queria ser. Eram sete e meia da noite, e ela estava exausta. Não pelo trabalho que estava tendo, mas pela simbologia por trás daquilo tudo. Servir, servir, servir. Não seria ruim em outro contexto. Seria bem legal talvez. Mas aquele mal-estar…


Sentia que as coisas andavam devagar. Haviam se dado mais uma chance, mas até quando? Ela fantasiou, ficou insegura, sentiu e tocou o pior de si. Aquele mal-estar era a iminência da escolha, da decisão. Ninguém podia fazer isso por ela. As malas ainda não foram desfeitas e se tornaram seu guarda-roupa nos últimos meses.


Vinícius errou. E errou feio. Não só é possível ser feliz sozinho como é necessário e imprescindível. O ser que não é capaz de se amar e de se reconhecer enquanto indivíduo não é capaz de amar nada. Não ama o amigo, não ama seu parceiro, não ama ninguém. Vai estar sempre buscando algo mais. Na verdade, aquilo que ele mesmo não tem.


Não consegue levar uma relação adiante, pois espera encontrar no outro aquilo que falta em si. Um relacionamento é feito por indivíduos, cada um com sua história, seus desejos, seus sonhos e sua felicidade próprios. Jamais por duas metades que se unem para se transformar num único ser. Isso é o que nos ensinaram nos contos de fadas, nas novelas, nos filmes. É o amor romântico imposto e opressor. Mas a vida real é dura e cruel. Isso porque não conseguimos perceber o óbvio.


Falando assim, parece fácil. Mas não é, pelo contrário. É muito difícil se desvencilhar de séculos e séculos de uma imposição social, cultural e econômica. Ela sabe disso e tenta com todo seu esforço. Mas dói demais. Ela está sofrendo. Anda triste, reflexiva, melancólica, saudosista. Chora à toa. Está dividida entre a dor da perda de alguém que aprendeu a amar e a felicidade de se redescobrir, de reaprender a se amar.


Seria ótimo se redescobrir sem precisar perder. Porém não era mais possível. Eles cometeram o mais básico e estúpido dos erros: a idealização. Apaixonaram-se por pessoas que só existiam em suas cabeças.


Idealizaram a relação também. Não contaram com a rotina modorrenta das contas a pagar, das compras a fazer, da ordem a manter. Não contaram com o fato de que o sexo não seria mais todos os dias. Não contaram com os desejos individuais que cada um poderia sentir por outras pessoas. Ou melhor, com isso até contaram, mas não foram consequentes e não souberam lidar. Não se identificaram como indivíduos.


Numa união, é preciso que uma parte não oprima a outra. É preciso companheirismo e parceria a cada dia que nasce, seja de sol, seja de tempestade. É preciso compartilhar e não disputar, não querer possuir o outro nem o usar. É preciso compartilhar e não esperar.


Se não entendemos isso, estamos fadados às relações fracassadas, frustradas. Um vai ser o espelho do outro, esperando reações e atitudes que não acontecerão, pois essas são as atitudes que esperamos de nós mesmos. O outro é o outro. E só.


O tempo não perdoa e não nos permite revisitá-lo.


Quanto a ela, estava pronta para desfazer as malas. Em outro lugar.


Postar um comentário

0 Comentários